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Defeito ou Erro de Transformação?

As características do azeite começam a ser delineadas ainda na oliveira, sendo que alguns fatores agronómicos, como as práticas culturais, a variedade da azeitona o solo e o clima, contribuem para as características naturais que diferenciam os vários azeites.

Desde a formação de azeite na azeitona até à sua colheita, agentes ambientais como insetos e microrganismos, em conjunto com a ação de enzimas lipolíticas, podem afetar a qualidade do azeite, promovendo o processo de deterioração do mesmo.

Fatores relacionados com a colheita, o procedimento usado, o estado de maturação do fruto, as condições de armazenamento, métodos e equipamentos usados, medidas higiénicas e sanitárias e ainda, as condições a que o produto é sujeito desde a extração até ao seu consumo final, contribuem para os atributos adquiridos pelo azeite.

De forma corrente, diz-se que esses fatores provocam defeitos no azeite. No entanto os defeitos mais comuns associados ao azeite, estão relacionados com a qualidade da azeitona, más praticas de colheita, transporte e armazenamento, e por este motivo deveremos repensar se devemos chamar de defeito, ou então erro de transformação, uma vez que é nos processos de transformação desde a azeitona a crescer na oliveira ao processo de transformação do azeite que ocorrem esses mesmos defeitos.

Processos de deterioração

Os principais processos que são responsáveis pela deterioração da qualidade do azeite são a lipólise e a oxidação. A lipólise normalmente começa ainda dentro do fruto, enquanto a oxidação ocorre depois da extração do azeite e, principalmente, durante o armazenamento. Ambos os processos afetam negativamente a composição e as características sensoriais do azeite.

  • Lipólise

A lipólise constitui uma reação de hidrólise dos triacilgliceróis, sendo assim responsável pelo aumento do grau de acidez do azeite. Apesar desta consequência, essa reação não tem um impacto direto sobre as características nutricionais do azeite, uma vez que as gorduras são hidrolisadas enzimaticamente no intestino delgado antes de serem absorvidas pelo organismo. No entanto, podem conduzir a uma reação de deterioração mais séria através da libertação de ácidos gordos insaturados.

Os principais fatores que promovem as reações de hidrólise estão associados à humidade e à temperatura. A lipólise microbiana é promovida pelos microrganismos presentes nas azeitonas, que têm atividade lipolítica, enquanto que a lipólise enzimática é conduzida pelas enzimas naturais que estão presentes nas azeitonas.

 

  • Oxidação

Ao entrar em contacto com o oxigénio, o azeite irá sofrer um processo de oxidação. Diversos fatores, tais como luz, temperatura, enzimas, metais, pigmentos e microrganismos, podem acelerar a sua oxidação. Os azeites que resultam deste processo de deterioração têm um cheiro e aroma desagradáveis, que podem afetar o carácter nutritivo do azeite. As reações de oxidação podem ocorrer no azeite, quer na ausência de luz (auto-oxidação), quer na sua presença (foto-oxidação). No entanto este produto  é, de certo modo, resistente à auto-oxidação, devido ao seu baixo teor em ácidos gordos polinsaturados e à presença de antioxidantes naturais, tais como tocoferóis e compostos fenólicos, mas pelo contrário é muito sensível à foto-oxidação.

Análise sensorial

A avaliação organolética é realizada por um laboratório de análise sensorial e é outro indicador da qualidade do azeite. Nessa prova, o azeite é classificado tendo em conta as diferentes categorias em função da mediana do frutado e da mediana do erro de transformação obtido por um painel de provadores. Através da elaboração dessa análise é possível detetar no azeite os seus erros de transformação ou atributos.

Erros de transformação mais comuns encontrados no azeite

No que se refere aos erros de transformação mais comuns associados à matéria prima, são apresentados a seguir alguns exemplos que podem surgir no azeite, relacionados com a qualidade da azeitona, más praticas de colheita, transporte e armazenamento:

  • Avinhado-avinagrado/Ácido-azedo: aroma característico de certos azeites que relembram o vinho ou o vinagre. Tem origem, fundamentalmente, devido a um processo fermentativo aeróbio das azeitonas ou de restos de pasta de azeitona em capachos que não foram higienizados corretamente, levando à formação de ácido acético, acetato de etilo e etanol. Alguns elementos que auxiliam na identificação deste tipo de erro de transformação são: maçã vermelha fermentada, verniz de unhas, solvente, levedura, vinho de má qualidade, vinagre de maçã ou sidra.

 

  • Água-ruça: aroma adquirido pelos azeites devido a um contato prolongado com águas de vegetação que sofreram um processo de fermentação.

 

  • Cozido ou queimado: aroma característico dos azeites devido a um aquecimento excessivo e/ou prolongado durante a transformação dos mesmos, principalmente se esta for realizada em condições térmicas inadequadas. Alguns elementos que identificam este erro de transformação são o caramelo queimado, mel e legumes cozidos.

 

  • Encorpado: promove uma sensação buco-táctil densa e pastosa produzida por alguns tipos de azeites velhos.

 

  • Esparto: aroma característico de azeites obtidos através de azeitonas prensadas em capachos novos, podendo variar consoante se trate de capachos fabricados de esparto verde ou de esparto seco.

 

  • Feno-madeira: aroma característico de azeites provenientes de azeitonas mais secas, podendo ser identificado este erro de transformação através do feno seco ou palha com mofo.

 

  • Gafa: aroma de azeites obtidos através de azeitonas atacadas por larvas da mosca da oliveira (Bactrocera Oleae), proporcionando um sabor a sujo ao azeite.

 

  • Lubrificantes: aroma de azeites que relembra o cheiro de gasóleo, massas consistentes ou óleos minerais.

 

  • Madeira húmida: aroma característico de azeites extraídos através de azeitonas que passaram por um processo de congelação na oliveira. Alguns elementos que se podem utilizar para identificar este erro de transformação são: baunilha, madeira molhada, feno húmido ou frutas cozidas.

 

  • Metálico: aroma que remete a metais e é característico dos azeites que permaneceram, por um longo período de tempo, em contato com superfícies metálicas durante os processos de trituração, prensagem ou armazenagem. Elementos como metais, latas, pregos enferrujados ou o pó de moagem podem ser utilizados para identificar este erro de transformação.

 

  • Mofo-húmido: aroma característico de azeites obtidos de azeitonas afetadas por bolores e leveduras devido à armazenagem dos frutos durante vários dias em condições húmidas. Alguns elementos que ajudam a identificar este tipo de erro de transformação são: meias suadas, mala de ginásio, carpete molhada, feno com mofo, fermento ou cogumelos.

 

  • Pepino: aroma dos azeites característico de um acondicionamento hermético por um período de tempo demasiado longo, principalmente em metais.

 

  • Ranço: aroma de azeites que passaram por um processo de oxidação intenso. Alguns elementos para identificar este erro de transformação são: óleos velhos, nozes velhas, manteiga velha, carne, lápis de cera, batom velho ou plasticina.

 

  • Salmoura: aroma de azeites obtidos através de azeitonas conservadas em salmoura.

 

  • Terra: aroma característico de azeites obtidos de azeitonas colhidas com terra ou lamacentas que não sejam bem lavadas. Alguns elementos utilizados para identificar este erro de transformação são: terra, sujo ou uma sensação de areia na boca.

 

  • Tulha/Borra: aroma característico de azeites obtidos através de azeitonas amontoadas ou armazenadas em condições que originaram um estado avançado de fermentação dos azeites que permaneceram em contato, nos depósitos e reservatórios, com matérias decantadas que tenham também passado um processo de fermentação. Alguns elementos utilizados para identificar este erro de transformação são: pasta de bagaço, patê, resíduos de lagares de azeite, azeitonas pretas maceradas ou estrume de cavalo.

Reflexão

Como se pode verificar ao longo do artigo, os erros de transformação mais comuns estão associados principalmente à qualidade da azeitona, às práticas de colheita, transporte e ainda ao seu armazenamento.

Desta forma é necessário que desde o crescimento e transformação da azeitona na oliveira, a transformação de azeitona em azeite e posteriormente a sua preservação, sejam tidos em conta vários fatores que fazem parte da produção do azeite para garantir que a sua qualidade, aroma e cheiro não sejam afetados.

Referências